Retalhos Microcirúrgicos

Quando ocorre uma lesão muito grave, onde se perde não apenas a pele, mas também músculos, tendões ou ossos, um simples curativo ou enxerto de pele não é suficiente. Nesses casos, precisamos “emprestar” tecidos de uma parte saudável do corpo para consertar a área danificada.

 

Os retalhos microcirúrgicos representam o que há de mais avançado na cirurgia reconstrutiva, permitindo salvar membros que antigamente seriam amputados e restaurar a função de mãos e pernas traumatizadas.

Retalhos Microcirúrgicos: técnica do Retalho Anterolateral da Coxa (ALT) cobrindo o tornozelo.

O Que É?

Um Retalho é um bloco de tecido (que pode conter pele, gordura, músculo e até osso) transferido de uma parte do corpo (área doadora) para outra (área receptora) levando junto sua própria circulação sanguínea.

 

Diferente de um enxerto de pele (que é apenas uma “folha” de pele sem vasos), o retalho possui uma artéria e uma veia que o mantém vivo.

  • Retalhos Pediculados: O tecido é girado para cobrir uma ferida vizinha, mantendo-se preso ao corpo por um “pedículo” (como se fosse um cachorro na coleira, que gira mas não sai do lugar).

  • Retalhos Microcirúrgicos (Livres): O tecido é completamente desconectado da área doadora e “transplantado” para a área da ferida. O cirurgião usa um microscópio para costurar os vasos sanguíneos (muitas vezes com menos de 1 ou 2 milímetros) aos vasos do local da lesão, restabelecendo o fluxo de sangue.

Causas e Fatores de Risco​

Os retalhos não são uma doença, mas sim um tratamento de salvamento indicado quando há uma perda extensa de tecidos que o corpo não consegue fechar sozinho.

 

As situações mais comuns que exigem retalhos incluem:

  • Traumas Graves: Acidentes de moto ou atropelamentos com fraturas expostas e perda de pele/osso.

  • Câncer: Após a retirada de tumores grandes (sarcomas ou tumores ósseos), fica um “buraco” que precisa ser preenchido.

  • Infecções Ósseas (Osteomielite): Onde é necessário remover osso doente e cobrir com tecido vascularizado para levar antibiótico e cura ao local.

  • Feridas Crônicas: Úlceras que não cicatrizam por falta de circulação ou diabetes.

 

Sintomas Mais Comuns

O paciente que precisa de um retalho geralmente apresenta uma ferida complexa:

  • Exposição de Estruturas Nobres: É possível ver o osso, tendão, nervos ou placas metálicas no fundo da ferida.

  • Falha de Tratamentos Anteriores: Curativos especiais ou enxertos de pele não funcionaram.

  • Risco de Amputação: A lesão é tão extensa que compromete a vitalidade do membro.

Diagnóstico​

O “diagnóstico” aqui é, na verdade, um planejamento cirúrgico minucioso. O especialista avalia o tamanho e a profundidade da ferida para escolher o melhor “tijolo” para tapar aquele buraco.

 

Exames essenciais:

  • Angiotomografia: Um exame que “desenha” o mapa dos vasos sanguíneos do paciente, mostrando se as artérias estão saudáveis para receber o retalho.

  • Doppler: Usado para localizar os vasos na pele onde será retirado o retalho.

  • Raio-X: Para avaliar a condição dos ossos.

Tratamento

A escolha do retalho depende do que a ferida precisa. Podemos dividir as opções em três grupos principais:

  • Retalhos de Avanço (Locais): Para defeitos menores. A pele vizinha é solta e deslizada para cobrir a falha. Exemplos comuns são o avanço em V-Y (muito usado em pontas de dedo) e o retalho Keystone (usado em defeitos maiores no tronco ou membros).

  • Retalhos Pediculados (Regionais): O tecido é girado sobre seu próprio eixo vascular. Exemplos clássicos são o Retalho Sural (pele da batata da perna girada para cobrir o calcanhar) e o Retalho Chinês ou Radial (pele do antebraço girada para cobrir a mão).

  • Retalhos Microcirúrgicos (À Distância): Para grandes reconstruções. Retiramos o tecido de longe. Os mais famosos são o Retalho Antero-Lateral da Coxa (ALT) (pele e gordura da coxa), o Grande Dorsal (músculo das costas) e a Fíbula Vascularizada (osso da perna usado para reconstruir falhas ósseas no braço ou fêmur).

Cirurgia

A cirurgia é o tratamento definitivo e o procedimento é uma Microcirurgia de Enucleação.

 

É um trabalho de precisão:

  • A Técnica: O cirurgião faz uma incisão sobre o tumor e abre a capa externa do nervo (epineuro). Com o uso de microscópio ou lupas, ele identifica que o tumor empurrou os fascículos saudáveis (os “fios” que conduzem a energia) para a periferia.

  • Preservação e Remoção: O cirurgião separa cuidadosamente esses fascículos saudáveis para não lesá-los. No entanto, o tumor geralmente nasce de dentro de um único fascículo. Para remover o tumor inteiro e evitar que ele volte, esse pequeno fascículo de origem muitas vezes é retirado junto com a lesão.

  • Segurança: Como o nervo possui muitos outros fascículos redundantes fazendo a mesma função, a retirada desse pequeno segmento junto com o tumor geralmente não causa nenhuma perda de movimento ou sensibilidade importante.

A anestesia é geralmente regional (do membro) com sedação, e a alta ocorre no mesmo dia ou no seguinte.

Prognóstico e Recuperação

A cirurgia de retalho microcirúrgico é um procedimento de alta complexidade e longa duração (pode levar de 4 a 10 horas).

  • Equipe: Geralmente envolve duas equipes cirúrgicas trabalhando ao mesmo tempo (uma prepara a ferida e a outra retira o retalho).

  • Microscópio: A conexão dos vasos (anastomose) é feita com fios mais finos que um fio de cabelo, exigindo precisão absoluta.

  • Anestesia: Devido ao tempo prolongado, utiliza-se anestesia geral, frequentemente associada a bloqueios periféricos para controle da dor no pós-operatório.

Quando Procurar o Especialista​

Esta cirurgia é realizada por cirurgiões de mão e microcirurgiões reconstrutivos.

 

Você deve procurar este especialista se:

  • Teve um acidente grave com perda de pele ou osso exposto.

  • Tem uma ferida que não fecha há meses, onde é possível ver o osso ou tendão.

  • Recebeu o diagnóstico de um tumor que exigirá a retirada de uma grande parte do membro.

Dúvidas Frequentes (FAQ)

O corpo pode rejeitar o retalho? Não existe “rejeição” imunológica como em transplantes de órgãos (rim, coração), pois o tecido é do próprio paciente. O risco que existe é de trombose (entupimento) nos vasinhos conectados, o que pode fazer o tecido sofrer. Por isso o monitoramento inicial é intenso.

 

A área de onde tira o retalho fica com defeito? Nós escolhemos áreas doadoras que tenham tecido “sobrando” ou cuja função possa ser compensada por outros músculos. Ficará uma cicatriz no local, mas a função geral do corpo é preservada.

 

O resultado estético fica perfeito? O objetivo principal é salvar o membro e fechar a ferida. O retalho pode ter cor ou espessura ligeiramente diferente da pele ao redor (“efeito remendo”), mas cirurgias de retoque podem ser feitas meses depois para melhorar a estética.

 

Quanto tempo demora para cicatrizar? A cicatrização inicial da pele leva cerca de 2 a 3 semanas. No entanto, o inchaço (edema) do retalho pode demorar meses para sumir completamente enquanto a circulação se adapta.

Se você se identifica com esses sintomas, uma avaliação especializada é fundamental. Agende sua consulta para um diagnóstico preciso e para iniciarmos o tratamento adequado.