Reconstrução de Nervos Periféricos

Sofrer um corte profundo, um esmagamento ou um trauma grave pode resultar em uma lesão nervosa. Diferente de um osso quebrado, um nervo cortado muitas vezes não se cura sozinho e pode levar à perda permanente da sensibilidade ou do movimento.

 

A Reconstrução de Nervos Periféricos é a área da microcirurgia dedicada a reparar essas lesões. Este guia explica o que é um nervo, o que acontece quando ele é lesado e quais são as técnicas cirúrgicas modernas para restaurar a função.

Ilustração médica da reconstrução de nervos periféricos mostrando a sutura do nervo digital lesionado.

O Que É?

Pense nos nervos periféricos (os nervos dos braços, mãos e pernas) como cabos elétricos de alta tecnologia.

  • Cada nervo tem uma “capa” protetora externa (como a borracha de um fio).

  • Dentro dessa capa, existem milhares de “fios” internos (como os fios de cobre), chamados axônios, que levam os sinais do cérebro para os músculos (movimento) e trazem os sinais da pele para o cérebro (sensibilidade).

Uma lesão nervosa acontece quando esse “cabo” é amassado, esticado ou, no pior caso, cortado. Quando o cabo é cortado, os “fios” internos perdem a conexão, e a eletricidade (o sinal nervoso) não passa mais.

 

A Reconstrução de Nervos Periféricos é a microcirurgia realizada para “emendar” esse cabo, realinhar as capas e criar um caminho para que os “fios” internos possam crescer de volta e reconectar a área afetada.

Causas e Fatores de Risco

Diferente de síndromes compressivas (como a Síndrome do Túnel do Carpo), a reconstrução é geralmente necessária após traumas que causam um dano físico direto ao nervo:

  • Traumas Cortantes (Lacerações): São as causas mais comuns na mão e punho. Acidentes domésticos (facas, vidro) ou acidentes de trabalho podem cortar os nervos.

  • Traumas por Esmagamento: Acidentes com máquinas pesadas ou prensas podem esmagar o nervo.

  • Traumas por Tração (Estiramento): Muito comuns em acidentes de moto, onde o braço ou o ombro é puxado violentamente, esticando os nervos a ponto de rompê-los (como na Lesão do Plexo Braquial).

  • Fraturas Graves: Um fragmento de osso quebrado pode perfurar ou rasgar um nervo próximo.

  • Tumores: Um tumor (benigno ou maligno) pode crescer a partir do nervo ou comprimi-lo severamente.

Sintomas Mais Comuns

Os sintomas de uma lesão nervosa aguda são imediatos e claros:

  • Perda de Sensibilidade: Dormência total (anestesia) na área que o nervo controla. O paciente não sente o toque, dor ou temperatura.

  • Perda de Movimento (Paralisia): Incapacidade imediata de mover um músculo ou um grupo de músculos (ex: “não consigo esticar o polegar”, “não consigo levantar o punho”).

  • Dor Neuropática: Embora a área possa estar dormente, o paciente pode sentir dor “em choque”, queimação ou formigamento intenso vindo da área da lesão.

  • Dor na Cicatriz (Neuroma): Meses após o trauma, se o nervo não foi reparado, ele pode tentar cicatrizar de forma desorganizada, formando um “caroço” (neuroma) na cicatriz que é extremamente doloroso ao toque.

Diagnóstico

O diagnóstico é o passo mais importante e combina o exame clínico com exames de imagem e função.

  1. Exame Físico: Este é o pilar do diagnóstico. O cirurgião da mão fará um “mapa” da lesão, testando meticulosamente a sensibilidade de cada parte da mão e a força de cada músculo. Isso permite identificar qual nervo foi lesado e em que altura.

  2. Exames Complementares:

    • Eletroneuromiografia (ENMG): É o exame fundamental. Ele “mede a eletricidade” nos nervos e músculos. Ele confirma se o nervo está ou não conduzindo o sinal, mostra a gravidade da lesão e ajuda a localizar o ponto exato do bloqueio.

    • Ultrassom (Ultrassonografia): Um ultrassom de alta resolução pode, literalmente, “ver” o nervo, mostrando se ele está contínuo, cortado, ou se há um neuroma (cicatriz) formado.

    • Ressonância Magnética: É um exame mais detalhado, excelente para ver nervos profundos (como o Plexo Braquial) ou para avaliar se os músculos já estão “murchando” (atrofia) por falta de sinal nervoso.

Tratamento

O tratamento depende do tipo de lesão.

 

Tratamento Conservador (Observação): Se o nervo foi apenas “amassado” ou “esticado” (uma contusão), mas não rompido, ele pode se recuperar sozinho. Nesses casos, o tratamento envolve fisioterapia e acompanhamento com exames (como a ENMG) para garantir que o nervo está se regenerando.

 

Tratamento Cirúrgico: Se o nervo foi cortado ou se os exames mostram que ele não está se recuperando sozinho após alguns meses, a cirurgia de reconstrução é a única opção para restaurar a função.

Cirurgia

Esta é uma cirurgia de alta complexidade, realizada com o auxílio de um microscópio cirúrgico e instrumentos muito delicados. O objetivo é reconectar o “cabo elétrico”. A técnica escolhida depende do tempo da lesão e da distância entre as pontas do nervo.

 

Existem três abordagens principais:

  1. Reparo Direto (Neurorrafia): É a melhor opção. Se a lesão é recente e as duas pontas do nervo cortado estão limpas, o cirurgião as “emenda” ponta-a-ponta, suturando as “capas” do nervo com fios mais finos que um fio de cabelo.

  2. Reparo de Falhas Nervosas (Neurotubos ou Enxertos): Quando há um “buraco” (uma falha ou gap) entre as pontas do nervo, não é possível esticá-las. Nesses casos, o cirurgião precisa criar uma “ponte” para guiar o crescimento dos novos “fios”.

    • Para falhas pequenas: Pode ser usado um Neurotubo (um pequeno tubo artificial bioabsorvível) que funciona como um “túnel” de proteção para a regeneração.

    • Para falhas maiores: É usado o Enxerto de Nervo. O cirurgião retira um segmento de um nervo sensitivo de outra parte do corpo (como a perna) e o usa como uma “ponte” biológica.

  3. Transferência Nervosa: Esta é uma técnica avançada e uma verdadeira corrida contra o tempo. Ela é usada em lesões muito altas (próximas da coluna, como no Plexo Braquial) ou quando já se passou algum tempo da lesão.

    • A Janela de Oportunidade: Um músculo que fica sem o sinal do nervo (denervado) começa a atrofiar. Após um certo período, que varia de 12 a 18 meses, a conexão entre o nervo e o músculo (a junção neuromuscular, ou “placa motora”) morre e não pode mais ser reanimada. O músculo se fibrosa e a paralisia se torna permanente.

    • A Cirurgia: Nesta técnica, o cirurgião não tenta reparar o nervo rompido longe do músculo. Em vez disso, ele “desvia” um nervo “doador” saudável que está próximo. Ele seleciona um nervo com uma função menos essencial (ou redundante) e o conecta diretamente no nervo “receptor” (o que perdeu o sinal), o mais perto possível do músculo que precisa ser salvo. É uma forma de “religar a energia” do músculo usando uma fonte alternativa, antes que a janela de oportunidade se feche.

 

Anestesia: Em geral, o procedimento é feito com bloqueio local ou periférico (anestesiando apenas o braço), associado a uma sedação leve (ou máscara laríngea) para que o paciente fique relaxado e confortável.

Prognóstico e Recuperação

Esta é, talvez, a parte mais importante para o paciente entender. A regeneração de um nervo é um processo biológico lento, longo e, infelizmente, incerto.

  • Prognóstico e Expectativa: Diferente de um osso que se consolida, um nervo reparado nunca recupera 100% da sua função original. O prognóstico de uma recuperação completa é incerto, e o sucesso depende de muitos fatores: a idade do paciente (crianças regeneram melhor), o tipo de lesão (um corte limpo é melhor que um esmagamento), o tempo até a cirurgia e se o paciente é fumante.

  • Sequelas: Mesmo com a melhor técnica cirúrgica e reabilitação, é comum que existam sequelas temporárias ou permanentes. Isso pode incluir uma diminuição da sensibilidade (a área pode não sentir o toque ou a temperatura como antes) ou uma perda parcial da força muscular.

  • O Objetivo Realista: O objetivo da cirurgia é restaurar a função útil da mão. Ou seja, devolver a sensibilidade protetora (sentir dor, calor e frio para evitar queimaduras ou cortes) e o movimento funcional para as atividades diárias.

  • O Processo de Crescimento: O nervo cresce a uma velocidade de cerca de 1 milímetro por dia. Isso significa que, se a lesão foi no punho, o nervo precisa crescer até a ponta do dedo, o que pode levar muitos meses ou até mais de um ano.

  • Recuperação Pós-Cirúrgica: O paciente precisará usar uma tala para imobilizar a área e proteger o reparo delicado nas primeiras semanas. Os pontos são retirados após 14 dias.

  • Reabilitação (Terapia da Mão): Esta é a parte mais crítica para maximizar o resultado. A terapia especializada é essencial e longa, ajudando a “reeducar” o cérebro a entender os novos sinais (reeducação sensorial) e a fortalecer os músculos que estão voltando a funcionar.

Quando Procurar o Especialista

O tempo é crucial em lesões nervosas.

 

Procure um Cirurgião da Mão imediatamente se você:

  • Sofrer um corte profundo, mesmo que pareça pequeno.

  • Após um trauma (corte, pancada, fratura), sentir perda imediata da sensibilidade (dormência total) em qualquer área da mão.

  • Após um trauma, perceber que não consegue mover um dedo, o polegar ou o punho (paralisia).

  • Desenvolver uma dor em “choque” ou extrema sensibilidade em uma cicatriz antiga.

Dúvidas Frequentes (FAQ)

Vou recuperar 100% da sensibilidade e do movimento? A recuperação total, idêntica ao que era antes, é muito rara em lesões nervosas graves. O objetivo da cirurgia é a recuperação funcional: devolver a sensibilidade protetora (sentir calor/frio, dor) e o movimento útil para as atividades diárias.

 

Por que a recuperação do nervo demora tanto? Porque o nervo precisa crescer de novo. Ele cresce a uma velocidade de cerca de 1 mm por dia, a partir do local da cirurgia até o seu destino final (a pele ou o músculo). Esse processo biológico é lento e leva meses.

 

Posso tratar uma lesão nervosa que sofri há muitos anos? Sim, mas a estratégia muda. Se a conexão nervosa já morreu (após 12-18 meses), a solução é a Transferência Tendínea: usamos um músculo saudável e “desviamos” seu tendão para fazer a função do músculo paralisado.

 

A cirurgia ajuda a parar a dor de “choque”? Sim. Muitas vezes a dor em choque (neuropática) é causada por um neuroma na ponta do nervo cortado. Ao reparar o nervo ou tratar esse neuroma na cirurgia, a tendência é que essa dor diminua significativamente com o tempo.

Se você se identifica com esses sintomas, uma avaliação especializada é fundamental. Agende sua consulta para um diagnóstico preciso e para iniciarmos o tratamento adequado.